Gays discriminam ao criar regras de comportamento para gays?
Podemos fazer a seguinte reflexão: homossexuais, historicamente, sempre romperam com as normas. Aos mais ansiosos, peço cautela para explicar melhor tal afirmação. Não é da norma que tiramos a regra? E qual a regra em uma sociedade heterosexista, ou seja, em uma coletividade na qual se presume a heterossexualidade das pessoas? A regra é que a sexualidade se exerce entre pessoas de sexos diversos. É a democracia, como ditadura da maioria.
De mãos dadas com as normas existentes na esfera social, estão os preceitos que se alimentam e bebem da religião (ou das religiões), que são os conhecidos dogmas. Repare: convivemos em uma sociedade em que há o certo e em que se conhece o errado. Onde se dita a verdade e é-se implacável com a mentira. Normas, leis, regras: por quem? Para quem?
Recuperando, então, o raciocínio do primeiro parágrafo, os homossexuais vieram quebrando normas, rompendo ditames estabelecidos. Quiçá transgressores ou, sendo mais simplista e não menos intenso, corajosos. Os gays foram símbolo de libertação e ousadia. Não somente de sexualidade, mas de quebra de uma falsa hegemonia, diga-se de passagem, até hoje forçosa.
Mas parece existir algo mais forte e resistente do que as próprias forças e resistências. Mesmo que não queiramos considerar o ser humano como possuidor de uma essência, há que se considerar uma questão social, que seja, moldadora de algo interno nos seres humanos capaz de uniformizá-los ou deixá-los com necessidades de padrões e regras. Mais ou menos como reféns. Nós sempre temos e teremos que ser reféns de algo?
Por que levanto essa questão? Pois há tempos os homossexuais além de quebrarem regras, criaram normas para seus semelhantes. Normas que chamo aqui de homonormatividade. Tais regramentos perpassam não somente o visível, como a estética ou os valores, mas que se encaminham para cada vez mais consolidar questões metafísicas, como as regras. É, por óbvio, uma reafirmação dos próprios valores e questões outrora combatidos com veemência. Mais intensa ainda acabam sendo as discriminações geradas por tal lógica.
Uniformizar, igualar, discriminar, segregar, parecem ser conceitos hoje em dia pertencentes não apenas à sociedade que foi tão contestada pelos homossexuais no passado e no próprio presente. Pelo que se lutou contra no passado (ou pelo que se luta contra no presente), é repetido pelos próprios gays. São padrões nos quais, caso você não esteja, vai ser difícil sua inclusão. Gays têm corpos esculturais, têm roupas de grifes famosas e têm cabelos que são tendência. Se você não os têm, você está ‘out’.
Se você é um gay, você não pode estar gay. Quase como uma questão ética, se você escolheu ficar com homens, como pode em um determinado momento sentir atração por mulheres? Se você entrou para a caixa quadrada dos padrões gays, você não poderá abandoná-la com facilidade. Sair do armário é uma expressão que representa muito bem isso. Se você sai de dentro de um armário, isso demonstra que você estava escondido, meio sufocado, assim no escuro. Claro que muitos gays sentem-se assim, oprimidos justamente pela sociedade já mencionada, a heterosexista.
Todavia, sair do armário implica em assumir-se gay, ou seja, colocar-se dentro de outro padrão. Em outro armário? “Voltar” é praticamente impossível, para a maioria das pessoas, se você exerceu a sua sexualidade em um determinado momento com alguém do mesmo sexo, você é gay e ponto. Uma das tantas lutas do movimento gay, durante muito tempo, foi mostrar à sociedade que pessoas do mesmo sexo podem se amar e podem manter relações sexuais que consolidem esse amor ou não. Assim mesmo, igualzinho aos heterossexuais que transam com alguém que amam ou não.
No entanto, os homossexuais são tão iguais aos heterossexuais que repetem falhas de julgamento exatamente da mesma forma. Pois exercer o amor e o sexo com liberdade implica em não determinar um padrão, uma norma ou uma regra que esteja estabelecida. Você pode sentir atração com liberdade e exercê-la com a mesma liberdade. Só se está dentro do armário por uma ditadura imposta como verdade. Se o exercício do amor e da sexualidade fosse realmente livre, desprendido de verdades ou radicalismos, não se teriam armários de onde sair.
A homossexualidade, quando imita a heterossexualidade em sua forma de compreender a sexualidade, reforça um modelo bestial de compreensão do ser humano. Termos como passivo e ativo, por exemplo, cooperam para definir papéis dentro de uma relação. São, então, os gays ditando e determinando padrões, verdades. O homem historicamente diminuiu a mulher, uma violência rechaçada por muitos homossexuais. Todavia, tais definições (passivo e ativo) apenas reforçam isso e, ademais, a violência não é menor com o dito passivo.
A homonormatividade é, por si só, excludente. Você sai de um padrão social de maioria para um de minoria, mas não menos sufocante, angustiante. O exercício a ser feito talvez seja o de refletirmos a sexualidade humana, sem pensarmos nas “caixinhas” moldadoras e enquadradoras a que sociedade exige que pertençamos.
Pensar em uma homonormatividade é constatar que os gays deram um passo atrás, estão se conservadorizando, julgando uns aos outros em escalas de pode, não pode. Verdade, mentira. Certo, errado. Talvez tudo isso seja apenas uma necessidade imensurável do ser humano em sempre sentir-se culpado. Para existir a culpa, tem que haver o desvio. Para haver o desvio, tem que existir a norma.
Fonte: MixBrasil
Por: Dihpower
0 comentários:
Postar um comentário